domingo, 31 de janeiro de 2010

FORMOSEANDO


Essa formosa sempre atrevida, logo de chegada o chiar das palhas ainda secas, pois nesses tempos a chuva vem pausadamente se fazendo charmosa para nossos rostos apreensivos. Logo depois do festejar das palhas ela nos acalma com as paredes coloridas de pequenas estórias contadas nos dias infinitos de suas farras. Falo de farras porque ela tem esse dom de nos atrair para o deslumbre, da musica cantada ou mesmo dedilhada nos violões, do bom vinho e das jogatinas sem fim. Farras acompanhadas do arrastar de chinelo em sua cozinha a procura das especiarias que ajudam a compor um cenário a meia luz. A penumbra meticulosa se dá não apenas pelas velas em dias que a luz resolve faltar, mas porque na sua delicada arquitetura transborda o mistério e a leveza não podendo ser assombrada por qualquer claridade obvia. Farras também movimentadas pelas peças teatrais das crianças que outrora acariciam suas paredes com pincelas soltas de tintas. Falo hoje de uma formosa ainda sossegada, sem o rugir das cachoeiras. Uma formosa que mesmo perseguida pelas inquietações que levamos da cidade na certeza de entendê-las melhor se faz majestosa e nos absorve de qualquer pecado.
Quando amanhece logo o cochicho rotineiro, sentimos o acordar de cada aposento. Uns mais preguiçosos e outros já eufóricos. O café já exposto na mesa é alternadamente reposto durante horas sem pretensão alguma de acabar. Logo se faz a casa cheia, crianças correndo pelos corredores, o som da televisão que persiste durante o dia todo e o gargalhar dos primeiros goles na cerveja gelada. Começa-se então a prontidão na porta de fora, com cadeiras em circulo acomodando um a um numa conversa longa no quintal debaixo da mangueira. Ah que bela mangueira aquela! Sempre com a sombra requintada que nos acoberta a espera das chuvas no banho de piscina improvisado.
No tardar do dia se dá pela procura por uma trilha, a busca infindável por uma gota sequer de água pura para suavizar a sede a espera das águas da cachoeira. A trilha já familiar é cantada por cada explorador. Coco babaçu, palmito de terra, areia cintilante, o chocalho barulhento da mata, topadas nos cantos das pedras e de repente o olhar cai sobre o vale de pedras grandiosas. Nesse vale contempla-se o rastro da água impiedosa. Mesmo na secura desses tempos brota do poço mágico um banho revigorante no canto da primeira cachoeira, e vamos todos sem pressa mergulhar, acompanhados apenas da cautela por causa das piabas que La habita que aparecem saudosas e persistem em nos assustar com suas abocanhadas.
Na noite a gratidão pelo dia primoroso se destaca do rosto de cada um. O peitoril começa a tomar forma humana e acomoda todos a espera do pão. Deliciosamente satisfeitos nos acomodamos no vasto campo, longe da sombra da mangueira, com o mesmo circulo insistente das cadeiras de macarrão agora com um bom vinho para acompanhar o céu estrelado e o tagarelar já pausado das conversas intercaladas pelo silencio e inconfundíveis suspiros instigados pela beleza que só mesmo nossa querida formosa oferece.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

POEMA

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era ainda criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Cazuza

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

MESMICE

O que me atrai na mesmice?
Acordar eu mesma todos os dias
A secura da argila mesma
Insensatez da mesma hora
Do mesmo gozo
Minha fragrância ainda fresca
Minha mesma cidade
Inóspita!

O mesmo regurgitar das cartas
Palavras ainda cruas
Ao relento o mesmo fraquejar do dia mal amado
À noite caindo sobre os ombros cansados
O mesmo olhar atordoado!

Não me atraio mesmo
E mesmo sendo constante
Não pondero a mesma pergunta insana
O que me atrai na mesmice?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

TPM

Dias lacrimejados
Sangue-suor-tensão!

O que não me serve mais,
Deposito num papel qualquer.
Sem desculpas
Sem sossego
Contorcida de dor

Transfiguro-me mulher indesejada
Alma afugentada
Passadas largas confundindo o tempo

Não me contemple
Proponho-me a não sorrir!

OS BAIANOS


Cachos e mais cachos
Dourados
Olhos fitados pelo sorriso
Conversa de menina espevitada
Coisa de arquiteto
Tinta fresca
Rede armada no jardim
Talharim, Tacos, Gorgonzola!
Uma taça,
Cartas
E mais uma dose!
Semblante embriagado pela PAZ!
Ouço um som
Olho contornando o ombro
E Lá estão
Queridos baianos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

PERDOEM-ME A FALTA DE MODÉSTIA.

Poemas, contos, estórias, rabiscos, etc... São estes meus condutores diários, maneira minha de trapacear a vida pra curar-me dos desencontros que ela me tem proposto. Sempre fui um forrageira de idéias contendo-me a não provoca-las pela falta de coordenação entre minhas mãos, meus lábios e meus sonhos. Traduzir-me em palavras escritas só mesmo debaixo da cama quando a noite vinha para que ninguém pudesse me desvendar.
Um dia qualquer percebi que não era mais segredo para ninguém, as pessoas que trafegavam comigo em minhas estórias inventadas estavam a par de todos os meus mistérios e cobravam-me uma postura mais elegante diante deles.
Foi então que me desfolhei diante de todos sem a preocupação de aparecer bem vestida e com palavras enfileiradas pela concordância gramatical sugerida pelos grandes escritores, pois ainda bem pequena sou. Fui dedilhando meus contos impregnados por um final ainda trágico de uma linda estória de amor. Tolas seriam minhas desculpas para escrever afinal todos sabemos que para as palavras um motivo qualquer basta, mas eu estava me sentindo sobrecarregada de motivos, transbordado, explodindo. E não tive outra escolha. Agora diante dessa minha aventura esmera de escrever me proponho a cultivar minhas raízes fraquejadas pelos medos que me cercavam, quero aguá-las com a sublimeis da poesia em que me encontro fortalecendo meus sentidos e as flores que brotarão dos meus longos dedos. Ando, contudo inconformada com os espinhos que vez ou outra me rasgam a pele branca, mas agradeço minha falha memória diante de tais dores.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

QUANDO APRENDI A AMAR

Não posso escrever sobre ele!
Tão pequeno que me consumiria todas as entrelinhas
Dia a dia
Escapou-me numa noite qualquer
Caiu do meu ventre e de já me olhou
Pequenos olhinhos castanhos
De certo seria alaranjado
Mais logo tomou forma
E o nariz ficou arredondado
Daí então me viram correndo pelos corredores
Cuidado menino!
Venha cá meu filho,
A mamãe vai te curar!
Meus braços
Antes pequenos
Agora gigantes
Meu sorriso
Antes calado
Agora insustentável
De tanto amar.

DOMINGO

Escaparam-me os azulejos
Meu suor nauseadamente doce
Revelava-me ao público.
Lucidez sublime
Pupilas dilatadas
E a insustentável leveza das cores!

sábado, 23 de janeiro de 2010

MEU JARDIM

Cheiro de chuva
Uma buganvília
Um poema!

MINHA SAPATILHA COR PÚRPURA

Minha sapatilha cor púrpura
Arranhou-me enquanto dançava
Com uma desculpa tola
De que meus pés diminuíram,
Imagina só
Meus pés tamanho 40!
Mas eu sabia de seus mistérios
Conheço suas pisadas
E o que lhe fez inconformada
Foi minha maneira descarada de dançar
Nunca me vira assim
Sapateando
Exibindo-me com meu novo rebolado
Tudo era novo
Jóias
Vestido
E penteado!
Pobre sapatilha
Insistia na desculpa tola
De que meus pés diminuíram.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

AMANHECER

Hoje despertei com sussurros alternados, parecia-me uma composição não proposital mais tinha um belo compasso para começar um dia. Cada nota daquela melodia contraia minha pele ainda adormecida. Logo me ocorreu de decifrar aqueles ruídos percebendo que aquela seria meu despertador diário. Era aquele o som de minha casa, que chegava do jardim embaralhando-se com o roncar delicado do meu pequeno príncipe. Ouvi os cantos dos pássaros que certamente estavam a cutucar no jardim as flores que se exibiam para o amanhecer. Ainda de olhos fechados senti seu cheiro, reconhecia em suas entranhas o meu sangue. Isso é que mais me fascina em ser mãe, saber que aquele ser divino é um pedaço meu. Então abro os olhos sem pressa, arrasto-o de seu cantinho da cama para bem perto de mim. Me curvo sobre seu corpo como se pudesse senti-lo em meu ventre novamente. Como uma ave aquecendo sua cria e protegendo-a dos males que cruzarão seu caminho. Um dia li, minha falha memória não me lembra onde, que uma mãe descrevia com dor o amor que sentia por seu filho. Aquela dor maternal por amar demais e saber que aquele amor não privara seu pequeno das dores que ele iria provar na vida.
Hoje me questionei sobre essa dor, e provei mais uma vez seu gosto. Pensei em super poderes para mães, em um bip que avisasse que o mal está para vir e varias coisas do tipo. Parecem absurdas para quem ler meus pensamentos, contudo não será para as mães. Esse medo constante que consome e perigosamente nos faz podar os passos dos pequenos com proibições do que brincar, do que comer, de onde andar, do que falar, de como viver. São insuportáveis, eu sei, mas são maternais.
Lembro-me de queixar-me com meus pais de que queria sim sofrer, queria sim suportar as dores da vida se para isso eles me deixassem viver a minha maneira. Dizia com um tom de maturidade, mais ou menos aos meus 16 anos de idade, que não queria provar dos medos que eles, meus pais, provaram e sim dos meus próprios medos. E que viesse a dor, viesse os obstáculos, estaria disposta a vivenciá-los e certa de que só assim cresceria.
E certa eu estava. Foi com minhas escolhas que aprendi me machuquei e cresci. Eles como todos os pais choraram a me ver chorar e gargalhavam a me ver sorrir. Hoje pertencendo ao clube de pais, me conduzo a também deixar meu filho vivenciar seus dias sem podá-lo, sem enchê-lo de medos da vida e de suas dores. Morro de medo de ele crescer, parece loucura mas penso no dia em que ele ferozmente vier me pedir para viver sem meus medos e da forma que ele bem quiser. Essa condução imposta por mim ainda não me é agradável. Queira mesmo era que ele não saísse de meu ventre, que pudesse guardá-lo toda vez que sentisse uma brisa mais densa. Por enquanto vou arrastando seu pequeno corpo para dentro do meu e um dia quando seus pequenos pés me escaparem do corpo sofrerei mais uma vez.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ALMA DE RETALHOS

Hoje fragmentei minha alma
Cortei-a de forma equilibrada
Distribui sobre minha cama ainda desarrumada
Descartei as partes encardidas
E acomodei as que ainda cintilam
Tentei costurá-la novamente
Cada ponto dado
Na minha ‘’Alma de retalhos’’
Fora bem elaborado.
No deitar do dia
Vesti-me dela como se veste um novo modelito
Mais ficou esquisito
Curto demais
Também pudera
Roupas curtas nunca me caíram bem!
De volta aos pontos
Tracejei a linha vagarosamente
Dessa vez me consumi do desequilíbrio
E foi com os pedaços encardidos
Que vesti-me do mais lindo vestido!

PROVOCAÇÃO

Queres provar um pedaço meu?
Eu que tanto rastejei pelas feiras
Comendo tomates podres
Rúculas amargas
Eu que me acostumei a cair das roupas
Aprendi a pintar meus dedos
Escovar minha franja
Depilar meus seios
Espremi minhas espinhas
Não quis mais doce
Não quis mais coca cola diet
Nem mesmo no canto do prato
Deixei que me alimentassem
Topei nos cantos das mesas
Queimei no sol minhas sardas
E congelei meus pedaços rígidos de carne
Queres mesmo um pedaço meus?

Sem nenhuma pretensão. Apenas mais um de seus causos em seus pequenos contos.

Sem nenhuma pretensão, de repente ela abriu os olhos e ele não estava mais lá. Como em um gesto desesperado, fechou-os novamente como se selasse o passado. Mas não podia mais abri-los, não entenderia mais nada.

Sempre que se encontrava perdida imaginava-se no mesmo lugar, lá nesse lugar onde só ele a teria levado ela andava com as mãos soltas, dançando com o vento enquanto sentia o beijo do mar em seus pés. E ainda assim de olhos fechados conseguia ver que ali era seu lugar.

Não estava mais só, eis que a vida havia lhe trazido um anjo. Um lindo anjo como aqueles de sonhos, com cachinhos dourados e nariz arredondado. Um anjo falador que lhe contava as aventuras da vida em contos que, ela já os tinha provado.Contos que sempre escrevia por linhas tortas e sinuosas, entre desenhos falhados por suas mãos tremulas de tão grande que era seus dedos.

Nesse mesmo dia ela percebeu entre suas compridas pernas escondidas na saia florida em que tanto desejou, uma brisa que jamais a tinha cruzado. Um frio congelou seu peito apertado e ela sentiu que pela primeira vez estava vivendo um de seus sonhos.
Um daqueles que a elevava para alem do que era escrito, prescrito, moldado e amordaçado. Um daqueles em que ela podia dar gargalhada com seus devaneios e que choravas como mais uma vez menina.

Sabia que, no canto guardado do peito, estava um segredo que a trazia para a realidade, mas que guardá-lo ali seria pretensioso demais para aquele sonho em que estava a deslizar. E se viu em uma encruzilhada.

Pensou:
--Me sentarei aqui e será nesse começo de tantos outros caminhos que cruzarei minhas pernas. Ah!!! Minhas longas pernas ficarão cansadas de tanto esperar.

Ali ficou, sentada, seu vestido já sujo da chuva do vento da secura do sol e das manchas de suas lagrimas, já não tinham mais flores.

Mas era apenas um sonho....