quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sem sentido

Dei-me folga por um dia de ti. Levantei cedinho, antes que tua pele percebesse minha ausência. Fui rumo a um túnel escuro donde cada passo dado craquelavam o piso por debaixo de meus pés. Quando já havia abandonado o tempo sussurrei canções de amor. O eco não se rendeu aos meus encantos e devolvia-me uma voz sem qualquer afinação e me perdi na surdez. Continuei a caminhar vagarosamente acompanhada duma solidão densa, como as paredes daquele túnel. Empurrava meus braços contra o vento que insistia em não se mover, atravessava-o. Quando resolvi abandonar a luz pude sentir o cheiro encorpado daquele túnel. O cheiro parecia-me doce demais, e com as mãos já cansadas empinava meu nariz para que me guiasse ás pernas. Ainda bem devagar continuei a andar. Agora percebi que havia perdido mais um de meus sentidos, não havia mais cheiro doce nem cheiro algum. Parei por um instante. Parti a devorar as paredes com lambidas suadas de minha saliva. Degustei cada centímetro daqueles últimos metros que me restavam. Parecia-me gosto de poeira adormecida, sem lembranças. Perdi-me por segundos quando percebi que me faltaram também às papilas gustativas. O vento tornou-se ainda mais denso e difícil de atravessar. Contudo minha intuição pressentia o fim daquela passagem. Restava-me tatear as paredes, e assim conduzi-me pelas mãos que num instante qualquer perdera também seu rumo. Eu sem rumo fiquei. Sendo pisoteada por uma intuição nada fugaz me rendi a tuas lembranças. Acompanhada dela pude sair daquele túnel, acompanhada de teu cheiro pude sentir novamente meu olfato, acompanhada de tua boca pude degustar mais uma vez minha saliva, acompanhada de teu violão pude ouvir mais uma vez o som suave de minha canção, acompanhada de teu abraço pude sentir minha pele envolvendo cariosamente meu corpo, e então pude enxergar uma luz. Sem mais cautela corri rumo á ela. E lá havia o que mais me faz e conduz meus sentidos: teus olhos. Aquela cor dos teus olhos!

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